Há
algum tempo, o site Timothy McSweeney’s
INTERNET TENDENCY fez um post curioso sobre traduções de gêneros
literários, e eu me inspirei neste post pro artigo de hoje. O original está
aqui
Não
sei se vocês já tinham pensado nisso, mas “traduzir” (isto é, mover de um lugar
para outro) não é só verter de uma língua a outra. Existe também o que eu chamo
de tradução “intralíngua”, isto é, num mesmo idioma, mas de uma linguagem
(entendida aqui como “maneira de falar”) para outra.
Vou
dar um exemplo bobo: entre si, os médicos se referem à sensação de dor na
cabeça como “cefaleia”, mas, ao conversar com um paciente, chamam de “dor de
cabeça”, que é a expressão que nós usamos cotidianamente para definir a tal
sensação. E quantas vezes, depois de ouvirmos a explicação de alguém, pedimos
que a pessoa traduza isso em termos mais corriqueiros?! Esses são exemplos de
tradução “intralíngua”.
O
curioso — e o post do INTERNET TENDENCY trata justamente disso — é que essa ideia de
tradução “intralíngua” nos permite verter qualquer texto ou fala para outra
“maneira de falar” relativa a uma determinada época, local ou, como no caso
aqui, gênero literário.
Não tem segredo, e vocês podem fazer isso em casa
também (pra quem quer ser tradutor ou trabalhar no mercado editorial, é um
ótimo exercício, inclusive, por mostrar que nós sempre podemos mexer e melhorar
um texto!).
Pensem numa frase. Aqui eu vou usar a mesma do site, que dizia:
“Eu comi um
sanduíche e olhei pela janela.”
Agora vamos “traduzir” essa frase para outros
gêneros literários, procurando acrescentar palavras ou expressões
características desses gêneros sem, no entanto, perder a informação essencial,
que é: “alguém comeu algo e olhou através de algo”.
Ficção Científica:
Coloquei as cápsulas nutritivas sabor sanduíche
caseiro na língua e, enquanto as engolia, fitei o espaço do lado de fora do
visor do foguete.
Fantasia:
Repousando nas costas de Dracos, meu dragão, após
o combate, engoli rapidamente o pão velho e o queijo bolorento enquanto fitava
a entrada da caverna na qual nos escondíamos.
Romance do Século XIX:
É uma verdade
universalmente reconhecida que um solteirão, de inteligência acima da média,
repassa mentalmente as candidatas à futura esposa enquanto mastiga o pão e fita
a veneziana à espera de sua carruagem.
Jovem Adulto:
Eu engolia o sanduíche de queijo que encontrei
na mochila (e que provavelmente fora deixado lá no último fim de semana)
quando, de repente, John Eu-Não-Sei-O-Que-Deu-Em-Mim Smith apareceu na minha
frente. Sem saber o que fazer, me virei e fitei a janela que dava para o
estacionamento vazio do colégio.
Escolha a Sua Aventura:
Você comeu o sanduíche e agora gostaria de:
- Olhar a janela e ponderar sobre a vida (vá
para a página 65)
- Mergulhar no rio, que provavelmente está
infestado de piranhas (vá para a página 27)
- Beber um gole da garrafa onde se lê BEBA-ME
e tirar um cochilo para ver o que vai acontecer (vá para a página 41)
Drama:
David, o menino órfão, que fora abandonado na
frente da loja do Sr. Chuzzlewits, mordiscou o pão velho e agradeceu pela
refeição. A primeira, em muitos dias. O pequeno, que entregava jornais na
madrugada, observou o movimento da rua lá fora, que parecia não tomar
conhecimento de suas tristezas, pela vitrine quebrada do armarinho.
Clássico Russo:
Enquanto
Shanvokovic mergulhava o pão velho e ressecado na sopa, sorvendo as últimas
gotas do líquido ralo com mãos trêmulas e cabeça baixa, como se a consciência pesada
o obrigasse a fitar o chão em vez do prato, Gregorinoviczh mal tirava os olhos
do vidro quebrado da janela. Lá fora, neve e o estampido dos canhões da
Revolução.
Realismo Mágico:
Eu comi um
sanduíche, fui até a janela e voei.
E então? O
que vocês acharam?
(Espero que
tenham gostado da brincadeira!)
2 comentários:
Amei o post, levarei essas dicas comigo.
Adorei. A versão Romance do Século XIX me remeteu instantaneamente ao início de "Orgulho e Preconceito".
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