31 de jul. de 2014

Galera entre letras: Brincando de traduzir

Há algum tempo, o site Timothy McSweeney’s INTERNET TENDENCY fez um post curioso sobre traduções de gêneros literários, e eu me inspirei neste post pro artigo de hoje. O original está aqui

Não sei se vocês já tinham pensado nisso, mas “traduzir” (isto é, mover de um lugar para outro) não é só verter de uma língua a outra. Existe também o que eu chamo de tradução “intralíngua”, isto é, num mesmo idioma, mas de uma linguagem (entendida aqui como “maneira de falar”) para outra.

Vou dar um exemplo bobo: entre si, os médicos se referem à sensação de dor na cabeça como “cefaleia”, mas, ao conversar com um paciente, chamam de “dor de cabeça”, que é a expressão que nós usamos cotidianamente para definir a tal sensação. E quantas vezes, depois de ouvirmos a explicação de alguém, pedimos que a pessoa traduza isso em termos mais corriqueiros?! Esses são exemplos de tradução “intralíngua”.

O curioso — e o post do INTERNET TENDENCY trata justamente disso — é que essa ideia de tradução “intralíngua” nos permite verter qualquer texto ou fala para outra “maneira de falar” relativa a uma determinada época, local ou, como no caso aqui, gênero literário.

Não tem segredo, e vocês podem fazer isso em casa também (pra quem quer ser tradutor ou trabalhar no mercado editorial, é um ótimo exercício, inclusive, por mostrar que nós sempre podemos mexer e melhorar um texto!).

Pensem numa frase. Aqui eu vou usar a mesma do site, que dizia:

“Eu comi um sanduíche e olhei pela janela.”

Agora vamos “traduzir” essa frase para outros gêneros literários, procurando acrescentar palavras ou expressões características desses gêneros sem, no entanto, perder a informação essencial, que é: “alguém comeu algo e olhou através de algo”.

Ficção Científica:
Coloquei as cápsulas nutritivas sabor sanduíche caseiro na língua e, enquanto as engolia, fitei o espaço do lado de fora do visor do foguete.

Fantasia:
Repousando nas costas de Dracos, meu dragão, após o combate, engoli rapidamente o pão velho e o queijo bolorento enquanto fitava a entrada da caverna na qual nos escondíamos.

Romance do Século XIX:
É uma verdade universalmente reconhecida que um solteirão, de inteligência acima da média, repassa mentalmente as candidatas à futura esposa enquanto mastiga o pão e fita a veneziana à espera de sua carruagem.

Jovem Adulto:
Eu engolia o sanduíche de queijo que encontrei na mochila (e que provavelmente fora deixado lá no último fim de semana) quando, de repente, John Eu-Não-Sei-O-Que-Deu-Em-Mim Smith apareceu na minha frente. Sem saber o que fazer, me virei e fitei a janela que dava para o estacionamento vazio do colégio.

Escolha a Sua Aventura:
Você comeu o sanduíche e agora gostaria de:
- Olhar a janela e ponderar sobre a vida (vá para a página 65)
- Mergulhar no rio, que provavelmente está infestado de piranhas (vá para a página 27)
- Beber um gole da garrafa onde se lê BEBA-ME e tirar um cochilo para ver o que vai acontecer (vá para a página 41)

Drama:
David, o menino órfão, que fora abandonado na frente da loja do Sr. Chuzzlewits, mordiscou o pão velho e agradeceu pela refeição. A primeira, em muitos dias. O pequeno, que entregava jornais na madrugada, observou o movimento da rua lá fora, que parecia não tomar conhecimento de suas tristezas, pela vitrine quebrada do armarinho.

Clássico Russo:
Enquanto Shanvokovic mergulhava o pão velho e ressecado na sopa, sorvendo as últimas gotas do líquido ralo com mãos trêmulas e cabeça baixa, como se a consciência pesada o obrigasse a fitar o chão em vez do prato, Gregorinoviczh mal tirava os olhos do vidro quebrado da janela. Lá fora, neve e o estampido dos canhões da Revolução.

Realismo Mágico:
Eu comi um sanduíche, fui até a janela e voei.
E então? O que vocês acharam?

(Espero que tenham gostado da brincadeira!)

2 comentários:

luciana disse...

Amei o post, levarei essas dicas comigo.

Anônimo disse...

Adorei. A versão Romance do Século XIX me remeteu instantaneamente ao início de "Orgulho e Preconceito".