11 de jul. de 2014

Papos de sexta: O resto é ruído

“Se o mundo fosse vazio, eu poderia me concentrar melhor. Existem muitas coisas para os meus olhos verem.”

Poderia ser a passagem de um livro conceituado, mas foi dita pelo filho autista de uma amiga minha. Ele tem nove anos.

Além de ser extremamente profundo para um menino tão jovem e autista, achei incrível por ser tão verdadeiro para tantos de nós. A sensibilidade dele e a eloquência .... Existem adultos com doutorados que não têm essa capacidade de observação, muito menos de sentir dessa forma.

Não conheço muitas pessoas com autismo, ou talvez até conheça e nem saiba dessa condição, que é delicada, mas que não acredito ser uma deficiência. Acho que deficiência é termos o controle de todos os nossos sentidos e não utilizá-los com respeito a nós e aos outros. Deficiência é zombar de alguma diferença alheia. Deficiência é não enxergar além de si mesmo. Deficiência é não entender que embora sejamos um grão de areia no deserto, quando um grão de areia entra no olho, ele fere muito.

Estava em busca de um tema para o “Papos de Sexta” desse mês quando minha amiga dividiu comigo a frase que abre esta coluna. Seu filho é tão jovem, já enfrenta tantos desafios e ao buscar a justificativa para entender como ele pode vencer seus obstáculos, ele se mostrou artista. Sem pretensão de ser, sem o desejo de ser. Em duas frases, um menino que é muitas vezes tachado pela sociedade como sendo “incapaz” se mostrou mais sensível do que muitos e disse, em poucas palavras, o que muitos de nós já sentiram.

Em momentos de angústia, de provação, de busca, a sensação de estar nadando sem alcançar a praia é sufocante. Hoje em dia, temos a informação na ponta dos dedos, o que considero uma bênção e uma maldição. Temos que nos manter atualizados, conectados, informados, capacitados. Temos? Temos mesmo? Mas qual o foco? Para onde queremos ir? Por que correr e atirar para todos os lados se não queremos ir para todos os lados, fazer todas as coisas?

Quando não conseguimos abraçar tudo, fazer tudo, nos sentimos incompletos, incapazes. E ninguém nos diz que somos, mas nós acreditamos com tanta vontade que nos tornamos. Nós colocamos essa venda, essa mordaça que nos torna incapazes, que nos deixa deficientes. De que? De emoção? De capacidade?

O mundo é feito de escolhas, e, quando alcançamos uma conquista, abrimos mão de outras justamente para termos foco, para darmos valor. Não se pode ter tudo ou ser tudo não porque é impossível, mas porque não é necessário.

E isso, em um mundo onde tudo é comparado e mensurado em curtidas em redes sociais, é difícil de ser aceito por nós e por outros.

Como disse o meu querido jovem do início, “existem muitas coisas para os meus olhos verem.” Sim, existem, mas de muitas coisas que seus olhos veem, só algumas capturam o seu coração. Busque essas. Foque nessas. O resto é ruído.



6 comentários:

rscarone disse...

Phodástico.

Mari disse...

Nossa, que lindo, Frini! Fiquei até arrepiada aqui!

Tita Mirra disse...

CHO-REI! Que lindo e verdadeiro isso que vc escreveu, Frini <3

Mariana Bittencourt disse...

E eu fiquei um bom tempo pensando em muita coisa ao finalizar esse texto. Parabéns Frini

Raffafust disse...

Frini
Lindo!!! Nossa, tava inspirada :)
Adorei , afinal, se sentir incompleto e sem rumo...quem nunca? *-*

Beijos

GabrielaF6 disse...

Adorei o texto, Frini! Parabéns. :)