9 de jan. de 2014

Galera entre letras: Fogo e Gelo

Não é novidade pra ninguém que eu adoro contos de fadas e, quando eu soube que a Disney ia produzir um longa-metragem inspirado no conto “A Rainha da Neve”, de Hans Christian Andersen, fiquei bastante empolgada. E pra falar a verdade, em se tratando de Disney, eu esperava mais uma versão de conto de fadas com uma história de amor, num roteiro previsível e bem tradicional.

Mas eu estava totalmente enganada! A minha surpresa foi tão grande que resolvi fazer alguns comentários sobre o filme (sem spoilers, juro!) e sobre o conto de Andersen que lhe deu origem, nos dois artigos do mês de janeiro.

Pra começo de conversa, “Frozen” não é propriamente um filme infantil. Embora haja personagens voltados para os pequenos, como é o caso de Sven, a rena, do boneco de neve, Olaf, e dos trolls, o filme trata de temas difíceis como a morte, os valores sociais e a liberdade de escolha.

Visualmente, é um espetáculo. A história de Andersen se passa na Escandinávia, bem no norte da Europa, e a Noruega foi o local que inspirou os cenários da animação. As cores estão superpresentes nas roupas dos personagens e se refletem lindamente em todo aquele gelo e neve. A riqueza de detalhes é tanta que é possível ver as sardas nos ombros da princesa Anna e o esfumado da maquiagem dos olhos da rainha Elsa.

E o modo como a personalidade das duas irmãs, Anna e Elsa, é caracterizada é impressionante: na composição da espevitada Anna, são usadas cores quentes nos cabelos e na pele (a princesa é ruiva e sardenta, e seu tom de pele tem um fundo bege), e nas roupas também, enquanto que Elsa, a irmã mais velha, tem cabelos louros quase brancos e sua pele é bem pálida e azulada. Aqui tem uma entrevista interessante com o casal de diretores, em que eles explicam um pouco sobre a composição das protagonistas e mencionam que, ao criá-las, pensaram em personalidades opostas, como fogo e gelo.

E há várias curiosidades no filme também. Não sei se foi proposital, mas a história de um dos personagens, Kristoff, remete à história de vida do autor do conto que inspirou o longa-metragem, Hans Christian Andersen. De infância muito pobre, Hans Andersen fez de tudo um pouco para sobreviver, até ser adotado por uma família rica da Dinamarca e ter a oportunidade de estudar e se tornar escritor.

O roteiro é muito bem amarrado e, desde o início, as múltiplas acepções da palavra “frozen”, que dá título ao filme, são mencionadas (em inglês, “frozen” tanto significa “congelado”, como “imobilizado, paralisado [por susto ou surpresa]”).


O curioso é que a tradicional oposição bem e mal dos filmes da Disney (pensem, por exemplo, num clássico como “O Rei Leão”... alguém tinha alguma dúvida de que Scar era o vilão? A voz, os trejeitos, a cicatriz deixavam bem claro quais eram suas motivações ali) desta vez não é tão evidente assim. Em “Frozen”, o vilão (ou vilões), embora esteja presente, não se destaca por sua aparência física. E, no fim das contas, a impressão que se tem é que todos os personagens têm traços bons e maus, e mesmo as protagonistas têm aspectos negativos, e suas ações resultam em coisas ruins.

Por isso, a princesa Anna e a rainha Elsa são uma dupla incrível. A escalação das atrizes tanto no original quanto na versão dublada (infelizmente, a Disney Brasil distribuiu apenas cópias dubladas no Rio de Janeiro) foi muito feliz e foi muito bem utilizada nos duetos. À alegria contagiante da princesa Anna opõe-se a contenção da rainha Elsa. A pequena Elsa é obrigada pelos pais a ocultar seu poder e a viver isolada, presa dentro de um quarto. O medo de se mostrar tal como é e de não ser aceita perdura até sua maioridade.

Os números musicais das duas também foram muito bem usados como recurso narrativo (o dueto logo no início mostra a passagem do tempo, da infância à juventude, das personagens). E um dos mais belos números musicais em animações da Disney é “Let it go” (em português, “Livre estou”), da rainha Elsa.

É muito bom ver as mocinhas tomando as rédeas da própria vida na animação da Disney. Cada uma à sua maneira, Anna e Elsa lutam para manter sua individualidade. E se há uma crítica aos casamentos fáceis, de contos de fadas (o que resulta num diálogo delicioso entra a princesa Anna e Kristoff), Anna sonha em encontrar o príncipe encantado e viver um grande e instantâneo amor (e, ok, ela pode viver isso, se for pra sua felicidade).

Por outro lado, Elsa sonha em ser livre e vai realizar este sonho sem ajuda de um príncipe, mas descobrindo o amor dentro de si: um amor sem objeto específico. Porque nem sempre os contos de fadas terminam com a princesa sendo feliz para sempre com seu príncipe encantado.


Minibio:

Ana Resende trabalha como preparadora de originais e tradutora, e é colaboradora da Galera Record, entre outras editoras. Workaholic assumida, sua leitura favorita ainda são os contos de fadas.

Facebook: hoelterlein

Um comentário:

Mariana Primante disse...

Ótima crítica, também adorei o filme. Adoro os filmes da Disney e o tema de rainha da neve deu um brilho a mais a este. Depois de ler fiquei até com vontade de ver novamente rs