Nessas últimas semanas o feminismo ganhou destaque na mídia e
nas redes sociais. Revoltadas com comentários pedófilos no Twitter a respeito da participante do Masterchef,
muitas mulheres corajosas começaram uma campanha online, compartilhando
histórias de assédio. Além disso, teve o tema da redação do ENEM, focado na
violência contra a mulher, que também gerou polêmica e trouxe o assunto à tona.
Enquanto isso, eu estava revisando o livro Outro dia, de David Levithan. O livro é
voltado para o público jovem, e conta a história de amor entre Rhiannon e A,
uma pessoa que troca de corpo todos os dias. A trama é narrada pela perspectiva
da Rhiannon, que, aos 16 anos, encontra-se em uma relação abusiva com o
namorado, Justin.
Justin está eternamente de mau humor e costuma ser
verbalmente agressivo com ela. A garota anda pisando em ovos. Se isolou cada
vez mais dos amigos. Se convenceu de que Justin, coitado, tem muitos problemas
e é por isso que não consegue evitar ser agressivo com ela. Ele não é uma má
pessoa, apenas alguém com dificuldade de controlar a raiva. E faz ela sofrer e
pagar caro por estar ao seu lado.
Todos nós conhecemos um Justin. Algumas de nós já estivemos
em relações assim. No entanto, um grande diferencial da narrativa de Outro dia é que nossa protagonista, ao
conhecer A, percebe que ele é uma pessoa melhor, alguém que gosta dela de
verdade e sabe trata-la bem. Rhiannon
escolhe A. Fim.
Parece tão simples, parece a escolha certa desde o
princípio, e TODOS os livros para jovens deveriam passar essa mensagem.
Entretanto, na qualidade de editora de YA, posso dizer que a grande maioria dos
livros apresenta uma mensagem oposta:
1. Protagonista conhece Fulano
2. Fulano é um babaca e maltrata protagonista
3. Descobrimos que fulano é babaca por um “bom” motivo
4. O amor muda Fulano e ele vira um Príncipe
5. Protagonista e Fulano são felizes para sempre
Não estou exagerando. Pense na Bela e a Fera. 50 tons de
Cinza. Crepúsculo. São muitas as histórias que perpetuam essa visão perversa
sobre o amor e as relações. E nós, editores, temos que nos responsabilizar pelo
que publicamos, principalmente nos selos jovens. Depois a gente se pergunta por
que muitas mulheres crescem acreditando que vão mudar seus parceiros. Depois
muita gente julga que “só apanha quem quer” e que “mulher que não se valoriza é
sujeita a esse tipo de coisa”.
Mas enquanto os homens crescem inspirados no heroísmo do
Super Homem e do Homem Aranha, a gente aprende que o final de toda história é o
casamento: Branca de Neve, Cinderela, Princesa Adormecida. Culturalmente, as
mulheres são ensinadas a competir entre si. A Cinderela tem que vencer a madrasta e as filhas dela.
A Branca de Neve precisa escapar da bruxa má. A Bela Adormecida, coitada, está
lá paralisada por outra bruxa invejosa, esperando desencalhar. A
passividade é ensinada desde cedo e o machismo está mesmo nas pequenas coisas.
Nos filmes da Disney que habitam nossa infância, nos livros que lemos enquanto
jovens.
Mas aos poucos as coisas estão mudando. E nosso papel é participar
ativamente dessa mudança, escolhendo títulos, estimulando o diálogo. Em 2013
lançamos a série Trono de Vidro, da Sarah J. Maas. Um livro de fantasia épica
com uma protagonista forte que tem roubado corações, tanto dentro quanto fora da
editora.
Eu
nunca li nada como Trono de vidro e
nunca conheci um personagem como a Celaena. Ela é uma assassina, tem seu
próprio código de ética. Ela luta de igual para igual com homens e mulheres.
Ela é frágil, claro, como todos somos em algum momento. Mas a saga de Celaena não acaba com ela se
apaixonando pelo homem ideal.
Não. Celaena se apaixona diversas vezes, mas isso de nada tem a ver com sua luta. Celaena não precisa da proteção do homem amado, pelo contrário, ela é quem o protege com unhas e dentes e lâminas afiadas. Afinal, se envolver com uma assassina desse tipo é extremamente perigoso para qualquer homem.
Quando, no meio da trama, aparece uma bela princesa estrangeira no reino, Celaena não a vê como rival. As duas forjam uma amizade sincera e lutam juntas contra inimigos comuns.
Parece algo muito trivial, né? Mas a jornada épica de Celaena, que já virou best-seller em mais de 40 países, quebra com a ideia da mulher frágil que compete com a outra pelo amor e a proteção de algum príncipe aleatório. E essa quebra é muito necessária.
Não. Celaena se apaixona diversas vezes, mas isso de nada tem a ver com sua luta. Celaena não precisa da proteção do homem amado, pelo contrário, ela é quem o protege com unhas e dentes e lâminas afiadas. Afinal, se envolver com uma assassina desse tipo é extremamente perigoso para qualquer homem.
Quando, no meio da trama, aparece uma bela princesa estrangeira no reino, Celaena não a vê como rival. As duas forjam uma amizade sincera e lutam juntas contra inimigos comuns.
Parece algo muito trivial, né? Mas a jornada épica de Celaena, que já virou best-seller em mais de 40 países, quebra com a ideia da mulher frágil que compete com a outra pelo amor e a proteção de algum príncipe aleatório. E essa quebra é muito necessária.
Para
erradicar a violência doméstica, o assédio sexual e o silêncio a cerca disso,
precisamos de mais histórias assim e mais heroínas como Celaena e
Rhiannon. Mulheres que falem: eu não
aceito isso, vou atrás da minha felicidade, vou lutar por quem me valorize.
Alguém que sofre, mas sabe se reinventar, se proteger. Uma mulher com a qual
todas podem se identificar.
Rhiannon
mostra que ao desistir do “amor” destrutivo, é possível encontrar um abraço que
não vire golpe. E Celaena sintetiza toda a coragem, força e magnetismo que
antes só era protagonizado por heróis masculinos.
Deve
ser por isso que minha melhor amiga vai vestida de Celaena esse Halloween. Deve
ser por isso que todas, desde minha sobrinha de 15 anos até a Dona Maria, copeira aqui da Record, amam essa série e não falam de
outra coisa.
#somostodasCelaena
2 comentários:
Concordo com cada palavra que você colocou nesse texto. E todas as mulheres deveriam ler historias assim, porque como você disse, sempre tem aquele livro de romance "diminuindo" a mulher e a fazendo acreditar que o amor pode mudar alguém da agua pro vinho. Mas jogando para o mundo real, o fato é que isso não acontece sempre. Pelo menos eu acredito que uma vez abusivo, sempre abusivo.
Como leitora e mulher estou fascinada com Trono de Vidro. É viciante, é diferente e pelo menos uma vez temos uma mulher que impoe respeito, é corajosa e acredita que pode mudar muitas coisas. Para mim, se tornaria fácil um novo modelo de "conto de fadas".
Enfim kkk não tenho muito mais a dizer. Esse texto foi ótimo !!
Concordo com tudo. Pena que o quarto livro de Trono de Vidro existe e a Celaena morreu e agora a Aelin tomou de conta, e ela infelizmente é tudo o que a gente adimirava na Celaena, só que ao contrário. Pelo menos essa é a minha opinião. Infelizmente mais uma autora nos desaponta usando a receitinha que vcs postaram ai em cima... E o pior de tudo é que o fandom aprovou a mudança. Triste.
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