No qual eu falo sobre contos de fadas
e as peças que nossa memória nos prega...
Outro dia eu estava vendo algumas
anotações de cursos antigos que fiz sobre contos de fadas e fiquei pensando
sobre a minha motivação para estudá-los. Eu gosto de ler etc., mas por que
estudar especificamente os contos de fadas e não outro subgênero da ficção
fantástica? (Era esse tipo de pergunta que eu me fazia enquanto via as minhas
anotações a caneta, em folhas amareladas pelo tempo.)
E aí eu me lembrei de uma frase do
Neil Gaiman que eu adoro(eu não lembrava direito, por isso, fui procurar) do
livro que eu mais gosto dele: Coraline,
e que diz mais ou menos isso em português: “Os contos de fadas são mais do que
verdadeiros --- não porque nos falem sobre a existência de dragões, mas porque
nos dizem que dragões podem ser derrotados.”
Bom, pra quem gosta de frases
motivacionais, eu acho que essa citação é uma frase e tanto! E o Gaiman dizia
que tinha lido essa frase num outro autor britânico, chamado G. K. Chesterton
(que escreveu um pouco sobre contos de fadas e até se arriscou numa distopia
--- O Homem que Era Quinta-Feira. Um
Pesadelo ---.) É dos meus autores preferidos, mas eu nunca tinha lido
aquela frase dele, citada pelo Gaiman. Bastaram alguns minutos na Internet pra
descobrir que o Gaiman citou a frase “meio de cabeça” e a modificou um pouco na
hora de escrever no livro, embora mantivesse o “espírito” do texto original,
porém --- mais importante até do que isso --- era o fato do Chesterton ser um
dos autores preferidos do Terry Pratchett (autor de Pequenos Deuses, publicado pela Bertrand Brasil), e de o Terry até
ter feito uma versão damesma frase do Gaiman,que foi publicada num artigo muito
legal sobre “crianças e ficção fantástica”.
E como eu sou especialista em
divagações, meu texto de hoje --- que deveria ser Quem Tem Medo dos Irmãos Grimm, pra falar um pouco do preconceito
que as pessoas (erradamente) têm contra contos de fadas por considerarem uma
leitura “inútil”, “escapista” ou “fantasiosa” --- começa justamente com dragões
derrotados e vai se estender pelas próximas semanas, discutindo a partir de
agora “pra que servem os contos de fadas?” (se é que eles REALMENTE precisam
servir para alguma coisa).
E já que estamos falando de memória
também, confesso que não me lembrava do texto do Pratchett, que mantém o
espírito do texto original do G. K. Chesterton e reafirma a importância dos
contos de fadas para a formação das crianças. (E o texto original do
Chesterton? Onde está? Bom... isso aí vai ser papo pra outra semana!)
Quando as Crianças Leem Fantasia
(1994)
A fantasia clássica pode apresentar o oculto às
crianças, mas de maneira mais saudável do que seria o caso em nossa estranha
sociedade. Se falam para você sobre vampiros, é bom que, ao mesmo tempo, falem
sobre as estacas.
[...].
Portanto, não vamos temer que as crianças leiam
fantasia. Ela éo adubo da mente saudável. Estimula brotos de curiosidade, e há
algumas evidências de que uma vida interna rica em fantasia é tão boa e
necessária quanto o solo saudável para uma planta, pelas mesmas razões.
A fantasia é a dieta adequada para a alma em
crescimento. Toda a vida humana está ali: um código moral, um sentido de ordem
e, algumas vezes, criaturas verdes, grandes e poderosas, e com dentes. Há
outros livros para leitura, e eu espero que as crianças que começam com a
fantasia sigam em frente e os leiam. Eu fiz isso. Mas todo mundo tem que
começar em algum lugar.
Um dos grandes contistas populares do
início deste século foi G. K. Chesterton. Ele escrevia numa época em que os
contos de fadas eram atacados pelas mesmas razões que os livros agora podem ser
discretamente proibidos em algumas escolas por conter a palavra “bruxa” no
título. Chesterton dizia: “A objeção aos contos de fadas é que eles dizem às
crianças que dragões existem. Mas as crianças sempre souberam da existência de
dragões. O que os contos de fadas ensinam às crianças é que se pode matar os
dragões.”
Chesterton, Pratchett, Gaiman: autores que sabem como matar os
dragões.
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