No
artigo do mês passado, eu falei sobre o lado técnico do trabalho do tradutor e
hoje vou falar do lado mais afetivo. Explico: já imaginaram o que é traduzir o
livro de um autor que vocês admiram? Bom, eu tenho várias paixões entre
autores. Alguns já faleceram (ou viveram em séculos passados), mas outros estão
bem vivos e continuam a produzir e, ao contrário do que muita gente pensa,
conhecer a obra ajuda, mas não torna a tradução mais fácil que a de um autor
desconhecido.
A primeira coisa sobre a qual eu queria falar é que quem “escolhe” o
livro para um determinado tradutor é o editor e, melhor do que ninguém, ele
conhece os profissionais que tem à disposição e sabe dos gostos de cada um.
Como o universo da ficção infantojuvenil inclui vários “subgêneros” –
livros mais românticos, de aventura, ficção científica etc. –, isso também vai
ser levado em conta quando o editor decidir quem vai fazer a tradução de um
livro.
No
ano passado, depois de preparar o texto de Will
& Will, traduzido pela Raquel Zampil, recebi o convite para traduzir o
livro Every Day, escrito, desta vez,
apenas pelo David Levithan.
Eu já conhecia o trabalho do David na Scholastic Press (ele é o editor de autores como Markus Zusak e Suzanne Collins) e também como autor, pois já havia lido Nick & Norah. Uma Noite de Amor e Música, publicado em 2009 pela Galera Record e traduzido por Ryta Vinagre.
Eu já conhecia o trabalho do David na Scholastic Press (ele é o editor de autores como Markus Zusak e Suzanne Collins) e também como autor, pois já havia lido Nick & Norah. Uma Noite de Amor e Música, publicado em 2009 pela Galera Record e traduzido por Ryta Vinagre.
Bom,
acho que foi uma das melhores notícias que recebi na vida, mas, ao mesmo tempo,
por conhecer os livros do David, eu sabia que seria um grande desafio.
Primeiro, porque os livros dele não costumam se ater a um único “subgênero”, e Every Day não fugiu à regra: tem toques
de ficção científica, tem romance e fantasia, além de momentos mais densos e
filosóficos.
Em
segundo lugar, porque o livro é narrado em primeira pessoa, o que implica identificar-se
com o protagonista, pois a história vai ser contada do ponto de vista dele; a
questão é que a premissa do livro Every
Day, que, em português, se chama Todo
Dia, é que o protagonista, A (assim mesmo, sem ponto nem outra referência
qualquer), todo dia está num corpo diferente e todo dia vive uma vida que não
pertence a ele.
Bom,
vocês podem imaginar o que é um protagonista que é e não é a mesma pessoa? E
que ainda por cima é outras pessoas? E que, pra falar a verdade, nem dá pra
chamar realmente de “pessoa”? Se conseguirem imaginar, bem-vindos ao meu mundo
nos três meses em que traduzi o livro!
E
quando eu falo em ser outras pessoas, me refiro a meninos, meninas, meninos que
gostam de meninos, meninas que gostam de meninas e até um personagem
transgênero. Como traduzir essa diversidade, respeitando as características do
estilo do David, as características da “fala” dos diversos personagens que
aparecem a cada capítulo do livro, e, ao mesmo tempo, procurando criar essa identificação
da qual falei com o protagonista?
Logo
de cara, um desafio: em inglês, os adjetivos não variam em gênero, são “neutros”,
mas, em português, eles variam e eu tive que decidir o gênero de A. Optei pelo
masculino.
Além disso, algumas expressões idiomáticas foram traduzidas
literalmente e outras, não, dependendo do trecho e do contexto. Minha maior
preocupação ao verter o texto foi fazer com que ele parecesse bem “natural” na
leitura. Sem falar que, no livro, a exemplo de Will & Will, além das “falas” propriamente ditas, havia trocas
de e-mails, textos jornalísticos etc., e cada um desses momentos tinha a sua
especificidade em relação à linguagem.
Para completar, o David gosta muito de livros e de citá-los. Até
aí, tudo bem, é ótimo citar livros. Mas eu tive que checar cada referência e ir
atrás de cada uma das frases mencionadas para descobrir onde ela sencontrava no livro original e poder verter corretamente, tal como aparecia, isolada e sem referência, em Todo Dia.
No fim das contas, como vocês podem imaginar, traduzir o texto do
David Levithan foi uma grande aventura e, confesso, estou tão ansiosa quanto
vocês pra ver o livro pronto e reencontrar o A, esse personagem incrível que,
durante três meses, foi minha companhia diária.
Até
o mês que vem! E ótimas leituras para todos nós! :)
PS:
Para o lançamento de Every Day nos
Estados Unidos, fizeram um vídeo bem legal no qual 23 autores de livros
infanto juvenis leem frases do livro, como se fosse o A, pulando de corpo em corpo. Vocês
conseguem identificar os autores?
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Minibio:
Ana Resende trabalha
como preparadora de originais e tradutora, e é colaboradora da Galera Record, entre outras editoras. Workaholic assumida, não gosta de
videogames e sua leitura favorita são os contos de fadas. Acredita que o
príncipe encantado existe, só que se perdeu sem um GPS.
Twitter:
@hoelterlein
3 comentários:
Já conhecia a sinopse do livro, mas até por não saber de mais detalhes, não tinha pensado no desafio que significou a tradução. Lendo o post, realmente deve ter sido algo intensamente desafiador, mas igualmente gratificante. Um ponto que me chamou a atenção foi o dos trechos em que ele cita outros livros; com certeza um trabalho que exige cuidado e pesquisa.
Gostei demais de você ter dividido conosco um pouco desse desafio de traduzir Todo Dia.
Um beijo, Livro Lab
Noooosssaaaa, deve ter sido punk. Mas tenho certeza de que o resultado ficou excelente. Mal posso esperar para conferir a obra :D
Beijo!
Raquel (Pipoca Musical)
Adorei o texto, Ana. E a sua tradução ficou maravilhosa. Esse livro é realmente muito incrível ♥
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