25 de jul. de 2013

Meninos e Meninas

No artigo do mês passado, eu falei sobre o lado técnico do trabalho do tradutor e hoje vou falar do lado mais afetivo. Explico: já imaginaram o que é traduzir o livro de um autor que vocês admiram? Bom, eu tenho várias paixões entre autores. Alguns já faleceram (ou viveram em séculos passados), mas outros estão bem vivos e continuam a produzir e, ao contrário do que muita gente pensa, conhecer a obra ajuda, mas não torna a tradução mais fácil que a de um autor desconhecido.
A primeira coisa sobre a qual eu queria falar é que quem “escolhe” o livro para um determinado tradutor é o editor e, melhor do que ninguém, ele conhece os profissionais que tem à disposição e sabe dos gostos de cada um. Como o universo da ficção infantojuvenil inclui vários “subgêneros” livros mais românticos, de aventura, ficção científica etc. –, isso também vai ser levado em conta quando o editor decidir quem vai fazer a tradução de um livro.
No ano passado, depois de preparar o texto de Will & Will, traduzido pela Raquel Zampil, recebi o convite para traduzir o livro Every Day, escrito, desta vez, apenas pelo David Levithan.                                                                                                                                              
 Eu já conhecia o trabalho do David na Scholastic Press (ele é o editor de autores como Markus Zusak e Suzanne Collins) e também como autor, pois já havia lido Nick & Norah. Uma Noite de Amor e Música, publicado em 2009 pela Galera Record e traduzido por Ryta Vinagre.
Bom, acho que foi uma das melhores notícias que recebi na vida, mas, ao mesmo tempo, por conhecer os livros do David, eu sabia que seria um grande desafio. Primeiro, porque os livros dele não costumam se ater a um único “subgênero”, e Every Day não fugiu à regra: tem toques de ficção científica, tem romance e fantasia, além de momentos mais densos e filosóficos.
Em segundo lugar, porque o livro é narrado em primeira pessoa, o que implica identificar-se com o protagonista, pois a história vai ser contada do ponto de vista dele; a questão é que a premissa do livro Every Day, que, em português, se chama Todo Dia, é que o protagonista, A (assim mesmo, sem ponto nem outra referência qualquer), todo dia está num corpo diferente e todo dia vive uma vida que não pertence a ele.
Bom, vocês podem imaginar o que é um protagonista que é e não é a mesma pessoa? E que ainda por cima é outras pessoas? E que, pra falar a verdade, nem dá pra chamar realmente de “pessoa”? Se conseguirem imaginar, bem-vindos ao meu mundo nos três meses em que traduzi o livro!
E quando eu falo em ser outras pessoas, me refiro a meninos, meninas, meninos que gostam de meninos, meninas que gostam de meninas e até um personagem transgênero. Como traduzir essa diversidade, respeitando as características do estilo do David, as características da “fala” dos diversos personagens que aparecem a cada capítulo do livro, e, ao mesmo tempo, procurando criar essa identificação da qual falei com o protagonista?
Logo de cara, um desafio: em inglês, os adjetivos não variam em gênero, são “neutros”, mas, em português, eles variam e eu tive que decidir o gênero de A. Optei pelo masculino.
Além disso, algumas expressões idiomáticas foram traduzidas literalmente e outras, não, dependendo do trecho e do contexto. Minha maior preocupação ao verter o texto foi fazer com que ele parecesse bem “natural” na leitura. Sem falar que, no livro, a exemplo de Will & Will, além das “falas” propriamente ditas, havia trocas de e-mails, textos jornalísticos etc., e cada um desses momentos tinha a sua especificidade em relação à linguagem.
Para completar, o David gosta muito de livros e de citá-los. Até aí, tudo bem, é ótimo citar livros. Mas eu tive que checar cada referência e ir atrás de cada uma das frases mencionadas para descobrir onde ela sencontrava no livro original e poder verter corretamente, tal como aparecia, isolada e sem referência, em Todo Dia. 
No fim das contas, como vocês podem imaginar, traduzir o texto do David Levithan foi uma grande aventura e, confesso, estou tão ansiosa quanto vocês pra ver o livro pronto e reencontrar o A, esse personagem incrível que, durante três meses, foi minha companhia diária.
Até o mês que vem! E ótimas leituras para todos nós! :)
PS: Para o lançamento de Every Day nos Estados Unidos, fizeram um vídeo bem legal no qual 23 autores de livros infanto juvenis leem frases do livro, como se fosse o A, pulando de corpo em corpo. Vocês conseguem identificar os autores?
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Minibio:

Ana Resende trabalha como preparadora de originais e tradutora, e é colaboradora da Galera Record, entre outras editoras. Workaholic assumida, não gosta de videogames e sua leitura favorita são os contos de fadas. Acredita que o príncipe encantado existe, só que se perdeu sem um GPS.

Twitter: @hoelterlein

3 comentários:

Aline T.K.M. disse...

Já conhecia a sinopse do livro, mas até por não saber de mais detalhes, não tinha pensado no desafio que significou a tradução. Lendo o post, realmente deve ter sido algo intensamente desafiador, mas igualmente gratificante. Um ponto que me chamou a atenção foi o dos trechos em que ele cita outros livros; com certeza um trabalho que exige cuidado e pesquisa.
Gostei demais de você ter dividido conosco um pouco desse desafio de traduzir Todo Dia.

Um beijo, Livro Lab

Raquel Moritz disse...

Noooosssaaaa, deve ter sido punk. Mas tenho certeza de que o resultado ficou excelente. Mal posso esperar para conferir a obra :D

Beijo!

Raquel (Pipoca Musical)

RLinus disse...

Adorei o texto, Ana. E a sua tradução ficou maravilhosa. Esse livro é realmente muito incrível ♥