Há 170 anos e, para ser mais precisa, no dia 17
de dezembro, era publicado um dos contos de Natal mais conhecidos de todos os
tempos.
A
Christmas Carol, de Charles Dickens, já foi traduzido,
adaptado, recontado e lido milhares de vezes, e sempre que chega essa época do
ano, não dá para deixar de lembrar a história do pão-duro Scrooge e de como os
fantasmas do Natal Passado, Presente e Futuro mudam a vida dele e das pessoas
que o cercam.
Mas se a história do Scrooge todo mundo já
conhece, talvez muita gente não saiba por que Charles Dickens escreveu o conto
e por que isso tem a ver com a vida de quem trabalha ou vive de livros
(tradutores e autores, por exemplo).
Bom, para começo de conversa, Dickens escreveu A Christmas Carol em apenas seis semanas
porque precisava de dinheiro para pagar dívidas da família grande (àquela
altura, eram quatro filhos, dois meninos e duas meninas, com um quinto bebê a
caminho). Mas Dickens já era um autor importante em 1843 e, no ano anterior,
viajara com a esposa para os Estados Unidos a convite dos editores daquele país.
Então, por que ele vivia no vermelho (para usar uma expressão conhecida hoje)?
Bom, Dickens sofria do mesmo problema que boa
parte de nós ainda sofre: a falta de reconhecimento do trabalho intelectual. E
não era só isso: na época, ele optou por receber uma participação nos lucros da
venda do conto, na esperança de ganhar mais do que a remuneração que lhe fora
oferecida. Embora A Christmas Carol
tenha sido um sucesso de público e de crítica e, em maio
do ano seguinte já contasse com sete edições, o livro lhe rendeu apenas 230 libras (Dickens
esperava ter umas mil libras de lucro com a publicação). E ele ainda teve que
lidar com edições pirateadas: o autor processou os editores que roubaram seu
texto, mas no fim teve que cobrir os custos do processo, pois os editores
alegaram falência e nunca lhe pagaram um centavo do que deviam.
Embora tenha se passado muito tempo de lá para
cá, a situação dos autores não mudou muito e dificilmente alguém consegue ser
autor nas 24 horas do dia (normalmente, é autor e tradutor ou revisor, e ainda
faz apresentações, palestras, ou escreve artigos para blogs, jornais ou
revistas...).
No entanto, Dickens não desistiu de faturar com
um de seus trabalhos mais bem-sucedidos e dez anos depois da publicação do
conto, começou a ler uma versão, adaptada por ele mesmo, para um grande
público: a primeira leitura do texto reuniu duas mil pessoas em Birmingham. Na
época, nenhum autor que se considerasse digno do título fazia esse tipo de
apresentação e muito menos cobrava por isso, o que causou uma onda de críticas
a Charles Dickens.
Mas o público não se importava com as polêmicas
e “parecia entrar num tipo de transe, como se um sentimento universal de
alegria invadisse a todos” durante a leitura. E A Christmas Carol também marcou a última aparição de Dickens em público. Em 15 de
março de 1870, ele fez uma apresentação do conto em Londres e faleceu três
meses depois.
Pra quem quiser conhecer a versão original do
autor inglês, há alguns dias, a Biblioteca Pública de Nova York promoveu a
leitura do conto. Ninguém menos que Neil Gaiman, o conhecido autor de
literatura fantástica, fez a apresentação — caracterizado COMO Charles Dickens
—, e vocês podem ouvi-lo aqui!
Mas que ninguém pense que Dickens não se
importava com seus escritos ou que ele fazia isso apenas pelo dinheiro...
Enquanto escrevia A Christmas Carol,
o próprio autor relata que “ria, chorava e voltava a rir”, e não eram raras
longas caminhadas noturnas (entre 20 e 30 quilômetros !),
depois de escrever algumas páginas. Ao terminar o livro, Dickens mais parecia
um louco, prestes a surtar, de tão apegado que estava aos personagens.
O Sonho de Dickens, pintado por Robert William Buss, 1875 |
E se A
Christmas Carol é considerado por muitos o texto fundador da concepção
moderna de Natal, e Scrooge é tomado por muita gente como um exemplo de que
podemos, sim, mudar, Dickens pode muito bem ser considerado um tipo de
“padroeiro” dos atuais profissionais do livro e uma inspiração a nunca
desistir.
Boas leituras!
E como diria o Pequeno Tim, personagem de A Christmas Carol: “Que Deus nos abençoe, a todos!”
Minibio:
Ana
Resende trabalha como preparadora de originais e tradutora, e é colaboradora
da Galera Record, entre outras editoras. Workaholic assumida,
adora contos de Natal, mas sua leitura favorita ainda são os contos de fadas. Já
escreveu sua cartinha para o Papai Noel e aguarda, ansiosa, a resposta.
Facebook: hoelterlein
Nenhum comentário:
Postar um comentário